Primo Preto, Racionais MC's, KL Jay, Pedro Paulo Soares Pereira (Mano Brown), Ice Blue, Edi Rock
Ab, Abm, B, Cm, Dbm, E, Eb, Ebm, Gb, Gm
Tô tentando sobreviver no inferno.
60% dos jovens de periferia, sem antecedentes criminais, já sofreram violência policial.
A cada quatro pessoas mortas pela polícia, três são negras.
Nas universidades brasileiras, apenas 2% dos alunos são negros.
A cada quatro horas, um jovem negro morre violentamente em São Paulo.
Aqui quem fala é Primo Preto, mais um sobrevivente.
o que é o que é o que é o que
mágico ou juiz ou réu, um bandido do céu, malandro ou otário, ou padre sanguinário,
franco atirador se for necessário, revolucionário ou insano, ou marginal, antigo e moderno,
imortal, fronteira do céu com o inferno, astral e previsível como um ataque cardíaco
do verso, violentamente pacífico, verídico, vim pra sabotar seu raciocínio, vim pra abalaça
seu sistema nervoso e sanguíneo, pra mim ainda é pouco, dá um cachorro louco, número
um, guia terrorista da periferia, unidurité, eu tenho pra você, um rap venenoso, uma rajada
de PT, e a profecia se fez como previsto, 1997, depois de Cristo, a fúria negra ressuscita
outra vez, Racionais, capítulo 4, recíproco 3, Racionais, no ar, filha da puta, pá, pá,
São Paulo, pra mim tá sempre bom, eu tô na rua de bobete e moletom, tim tim tom, rap é o som, queimando a nua pra lavar, e aí, chamo o Guilherme, chamo o Vânio, chamo o Dio, e o Tio Marquinho, chamo o Éder, vamo aí, se os outros mano, vem pela ordem, tudo bem, melhor, quem é quem no bilhado do menor
Colou dois mano, um acendeu pra mim, de jacuzzi certinho, de tênis calçadinho
Ei, bral, sai foda, nem vai, nem cola
Não vale a pena dar ideia nesse tipo aí
Ontem à noite eu vi, na beira do asfalto, estragando a morte, soprando a vida pro alto
Ó os cara só pó, pele e osso, no fundo do bolso, rapaz, fragante no bolso
Veja bem, ninguém é mais que ninguém, veja bem, veja bem, e eles são nossos irmãos também
Vai de cocaína e craque, uísque e conhaque Os mano morre rapidinho sem lugar de destaque
Mas que sou eu pra falar de quem cheira ou quem fuma
Nem dá, nunca te dei porra nenhuma Você fuma o que vem e topa o nariz
Bebe tudo que vê, passa o diabo feliz Você vai terminar tipo outro mano lá
Que era um preto tipo A, ninguém tava numa
Mó estilo de passar calviclá e ter espuma O jeito humilde de ser, no trampo e no rolê
Curtia um funk, jogava uma bola Buscava a preta dele no portão da escola
Um exemplo pra nós, uma moral, uma oibop Mas começou a colar com os branquinhos do
shopping E mano, outra vida, outro pique
Só mina de elite, balada, vários drink Puta de boutique, toda aquela porra
Sexo sem limite, Sodoma e Gomorra Faz uns nove anos, tem uns quinze dias
atrás Eu vi o mano, cê tem que ver
pedindo cigarro, coxizinho no ponto,
dente todo zoado, bolso sem nem o conto.
O cara cheira mal, a cia sente medo,
muito louco de sei lá o quê.
Logo cedo, agora não oferece mais perigo.
Viciado, doente, fudido, inofensivo,
um dia um PM negro veio embaraçar
e disse pra eu me pôr no meu lugar.
Eu vejo, mano, nessas condições não dá,
será assim que eu deveria estar?
Irmão, o demônio fode tudo a seu redor,
Pelo rádio, jornal, revista e hot dot Oferece dinheiro, conversa com calma
Contamina seu caráter, rouba sua alma Depois te joga na merda sozinho
Transforma um preto tipo ar no neguinho Minha palavra alivia sua dor
Ilumina minha alma Louvado seja o meu senhor
Que não deixa o mano aqui desandar E nem sentar o dedo, menino pilantra
Faz que nenhum filha da puta Ignore a minha lei
Racionais, capítulo 4, versículo 3
Racionais, troar, filhas da puta, pá, pá, pá
Quatro minutos se passarem, ninguém viu
O monstro que nasceu em algum lugar do Brasil
Talvez o mano que trampa debaixo do carro sujo de óleo
Que enquadra o carro forte na febre com sangue nos olhos
O mano que traga vela por dia inteiro no sol
Ou o que vende chocolate de farol em farol
Talvez o cara que defende o pobre no tribunal
Ou que procura vida nova na condicional
Alguém no quarto de madeira, lendo a luz de vela, ouvindo o rádio velho no fundo de uma cela
Outra família real e negro como eu sou, um príncipe guerreiro que defende o gol
E eu não mudo, mas eu não me iludo, os manoco de burro tem
Eu sei de tudo, em troca de dinheiro e um cargo bom
Tem mano que recola e usa até batom
Vários patrícios falam merda pra todo mundo rir
Pra ver branquinho aplaudir, é, na sua área tem fulano até pior
Cada um, cada um, você se sente só Temano que te aponto uma pistola e fala sério
Espalde sua cara, por um toque a fita velho Clique, plau, plau, plau e acabou
Sem dó e sem dor, foda-se sua cor E por sangue com a camisa e manda se fuder
E você sabe por que, pra onde vai, pra quem Vai de barimbá, de esquina, esquina
Pegar cinquenta conto, trocar por cocaína E fim, o filme acabou, pra você, a bala não
é de festim aqui não tem dublê para os mano da bachada fluminense a ceilândia eu sei as ruas não
são como a disneylândia de guayanazes ao extremo sul de santo amaro ser um preto tipo ar custa
caro é foda pode assistir a propaganda e ver não dá pra ter aquilo pra você playboy forgado de
brinco coxa roubado dentro do carro na avenida rebolsa correntinha das moças madame de bolsa
dinheiro, não tive pai, não sou herdeiro, se eu fosse aquele cara que se humilha no
sinal, por menos de um real, minha chance era pouca, mas se eu fosse aquele moleque
de touca, que gatilha e fio, cano dentro da sua boca, de quebrada, sem roupa, você e
sua mina, um, dois, nem me viu, já sumi na neblina, mas não, permaneço vivo, não sigo
a mística, 27 anos, contrariando a estatística, sou comercial de TV, não me engana, eu não
Eu preciso de status, nem fama Seu carro e sua grana já não me seduz
E nem a sua puta de olhos azuis Eu sou apenas um rapaz
Latino-americano Apoiado por mais de cinquenta mil manos
Efeito colateral que o seu sistema fez Racionais, capítulo 4, versículo 3